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RESENHA | Sobre Minha Filha por Kim Hye-Jin

(Capa: Susa Monteiro)


Sobre Minha Filha

Tema: Conflito Geracional, Identidade, Família

Sobre Minha Filha é um romance escrito pela autora Kim Hye-Jin, que tem ganhado notoriedade internacional nos últimos tempos. O livro trata da relação entre uma mãe e sua filha e, principalmente, sobre como as escolhas de vida da filha confrontam diariamente os valores da mãe.

A obra, de apenas 140 páginas, foi publicada no Brasil em 2022 pela Editora Fósforo e traduzida por Hyo Jeong Sun. 

Quem dera, depois de acordar de um longo e profundo sono, tudo tenha acabado, não tenha passado de uma mentira. Que tudo volte ao que era antes. Como nos dias tranquilos em que eu não precisava me esforçar para entender e aceitar as coisas. (p.140)

A narrativa é contada inteiramente sob a perspectiva da mãe e, por isso, acompanhamos o desconforto que é para ela aceitar os diferentes valores entre ela e a filha, que é desempregada e lésbica. Essa situação gera na mãe a preocupação de que a filha, por não seguir uma vida tradicional, ou seja, não ter filhos nem marido, acabe ficando sozinha na velhice.

Essa preocupação é fortemente embasada no dia a dia da mãe, que trabalha em uma casa de repouso. É lá que ela cuida de uma mulher chamada Zen, que não possui família nem parentes para visitá-la. O trabalho é exaustivo, braçal e extremamente negligenciado, mas a protagonista acaba exercendo um papel de proximidade familiar quase insubstituível com Zen, muito maior do que ela possui com a própria filha.

Ao longo das páginas, vamos entendendo o conservadorismo geracional da mãe, o preconceito silencioso, a negação à realidade e, principalmente, os limites desse amor incondicional. São atitudes que apenas os leitores captam, através da narração dos pensamentos da mãe, dos olhares de julgamento e do silêncio gritante.

Eu devo ter feito alguma coisa errada. Só pode ser. Mas não sei por onde começar a endireitar as coisas. E nem sei se serei capaz. Mas eu sou mãe. Quem no mundo, senão eu, vai poder dar um jeito nisso, não é? (p.59)

A escolha de colocar a mãe como narradora principal torna a leitura muitas vezes incômoda. No entanto, acredito que a proposta da autora tenha sido justamente essa: não reforçar a homofobia, mas sim mostrar que a personagem adota posturas de seu tempo e por isso pensa como pensa e age como age. Nesse choque de realidades, o texto nos faz buscar ter empatia pela mãe, mesmo que negando a relação homoafetiva da filha, ela ainda só deseja que a filha seja feliz.

Por que só marido e filhos podem ser família? Mãe, Rain é família para mim. Ela não é apenas uma amiga. Nós vivemos os últimos sete anos como uma família. Qual é a definição de família? Não é aquilo que te dá força no momento em que você mais precisa? Por que você chama de família isso daí que você diz ser família, mas não aceita a minha? (p. 75)

A autora nos traz uma investigação delicada sobre o passado e o presente, a expectativa e a realidade, a tradição e a liberdade, a velhice e a juventude. Definitivamente, não é um livro confortável, pois não oferece soluções, mas apresenta uma realidade comum para várias famílias em que o preconceito constrói muros altos e abismos profundos entre as relações de pais e filhos.

Um livro que aborda a necessidade de desconstruir os próprios pensamentos para, de fato, alcançar e amar o outro como ele é.

Sobre a autora

(Foto: Reprodução / Kim Hye-Jin)

A autora nasceu em 1983 em Daegu, Coreia do Sul, e estreou na literatura em 2012 com o romance Chicken Run, vencedor do prêmio Dong-A Ilbo's Spring Literary. Suas obras costumam abordar a fragilidade humana e questões da sociedade coreana contemporânea.

Referência Bibliográfica

HYE-JIN, Kim. Sobre minha filha. Tradução Hyo Jeong Sung. São Paulo: Editora Fósforo, 2022.

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