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(Capa: Marcelo Delamanha) |
O LIVRO BRANCO
Tema: Luto, Resiliência, Família
O Livro Branco, da autora sul-coreana Han Kang, reúne uma série de textos breves e poéticos que compõem uma narrativa profundamente pessoal e intimista. A partir de memórias, Kang explora os significados simbólicos da cor branca: o silêncio, a pureza, a ausência e, sobretudo, o luto.
O livro foi publicado no Brasil em 2023 pela Editora Todavia, com tradução de Natália T. M. Okabayashi.
E ela muitas vezes esqueceu
que seu corpo (o de todos nós) é uma casa de areia
que se esfarelou e se esfarela
que vai escorrendo entre os dedos (p. 97)
A obra parte de uma lembrança familiar marcada pela perda: a irmã que faleceu poucas horas após o nascimento, ainda nos braços da mãe. E é a partir dessa ausência que o livro se inicia, com uma lista de coisas brancas: cueiro, sal, neve, arroz, magnólias-brancas; elementos que, com delicadeza, desdobram reflexões sobre a dor da memória.
O livro também dispõe imagens de um ensaio fotográfico, inseridas entre os textos, todas inspiradas na cor branca. Em uma das fotos, Kang esfrega sal grosso nas mãos, um gesto visual que evoca sensações táteis, como se o leitor também pudesse sentir a aspereza dos grãos: o sal que conserva e cura, mas que também arde e machuca. Não se trata de fotografias aleatórias; cada imagem carrega o significado dos textos que a acompanham, ampliando os sentidos.
Kang já idealizava essa obra há algum tempo, enquanto finalizava a publicação de Atos Humanos. Foi durante uma temporada de férias de verão em Varsóvia, na Polônia, que ela finalmente pôde começar a escrever. A escolha da cor branca não foi por acaso: em muitas culturas orientais, ela está ligada ao luto, por representar a pureza da alma e a transição para outro plano. Uma perspectiva bem diferente da ocidental, que costuma associar a morte ao fim de um ciclo, à escuridão e, por isso, à cor preta.
Na língua coreana, existem dois adjetivos para a cor branca: 하얀 (hayan) e 흰 (hwin). Este último, associado simbolicamente tanto à vida quanto à morte, foi o que intitulou a obra em sua versão original.
Ao relembrar a irmã, a autora questiona a sua própria existência, como se sua vida fosse um resultado direto daquela ausência.
Penso nela sobrevivendo e se alimentando do leite materno (p.33)
Caso a mãe não tivesse perdido a primeira filha, será que Kang teria nascido? Teria sido a morte da irmã um acontecimento necessário para que ela viesse ao mundo? Esse paradoxo atravessa o texto, delineando um destino ao mesmo tempo delicado e profundo; o de ter nascido no limiar entre o que foi e o que poderia ter sido.
É difícil descrever este livro, talvez porque ele se construa mais no terreno do sensível do que no da narrativa. Sua prosa poética é minuciosa, e em cada fragmento somos lembrados da fragilidade humana e de como a vida, silenciosa, escapa por entre os dedos, um tema recorrente nas obras de Kang.
Ainda assim, este livro age como uma pomada branca sobre um machucado, ou como uma gaze que envolve e protege a ferida. Acredito que para a autora, ter escrito este livro, representa o início de um processo de cura.
SOBRE A AUTORA
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(Reprodução: Han Kang) |
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